quinta-feira, 26 de abril de 2007

Viagem através dos séculos*

de Kyoto, Japão

Fundada em 794 com o nome de Heian — capital da paz e tranqüilidade — Kyoto foi o centro político, cultural e administrativo do Japão dessa época até o final do período Edo, em 1868. Nesta e na próxima edição de Tablado, vamos percorrer os templos, castelos, caminhos e segredos de uma Kyoto moderna, mas que tanto preserva as milenares tradições japonesas.


Entretanto, antes de começarmos essa viagem no tempo, é preciso que se faça uma pequena observação religiosa: O japonês, é em geral, xintoísta e budista, dependendo da ocasião. As cerimônias de casamento, por exemplo, são, em geral, xintoístas. Os funerais, budistas. Muitos dos locais de adoração estão situados no mesmo terreno, mas nem por isso o japonês confunde as coisas. Os deuses xintoístas são venerados nas jinja, ou santuários. Já Buda está nos templos, cujos nomes são identificados pelo sufixo ji ou dera.

Alguns tão antigos quanto a cidade, os templos de Kyoto estão espalhados por todos os cantos da antiga capital. Uns só têm uma portinha; outros, ocupam vários quarteirões. Entre tantas, uma das construções mais impressionantes é Sanjusangen-do, do século 12. É a estrutura mais longa do mundo e em cujo salão retangular estão perfiladas nada menos que 1001 imagens de Kannon, a deusa da misericórdia. O Ninna-ji — outro ponto alto da rota religiosa de Kyoto — foi construído em 888 e chegou a compreender 60 subtemplos, muitos deles destruídos por terremotos e incêndios que arrasaram a cidade através dos séculos.

Mas a maior atração budista está no alto de uma das montanhas que cercam a cidade. Depois de subir a Kiyomizuzaka, uma rua estreita, cheia de lojinhas que vendem chá verde e bolinho de feijão, chega-se ao Kiyomizu-dera, ao qual milhares de peregrinos vão para beber da fonte sagrada (daí o nome, que quer dizer água pura) e para avistar a cidade da varanda do salão principal, uma das maravilhas da marcenaria japonesa, construída toda em madeira e sem pregos.

Castelos e pavilhões - E quem foi que disse que no século 16 não existia alarme contra espertinhos que tentassem adentrar residências alheias? Pois pelo menos no castelo Nijo (lê-se Nidjô), em Kyoto, construído pelo xogum Ieasu Tokugawa, havia sim. E existe até hoje: é o piso rouxinol, cujas tábuas são encaixadas de tal forma, que quando pressionadas, reproduzem um ruído parecido com o do passarinho, chamando a atenção de quem estiver por perto.

Na época, o castelo Nijo representou o máximo do poder e da riqueza. Curiosamente, foi nesse mesmo castelo que o último dos Tokugawas abdicou, já na segunda metade do século 17. No chão, só há madeira e tatame. É possível visitar as acomodações, mas quem não descalçar os sapatos, como faria em qualquer residência japonesa, não entra. As paredes são cobertas pelas maiores pinturas de paisagens, pássaros, flores e tigres da escola Kano. Rodeados pelos motivos bucólicos estão réplicas dos daimyo, os senhores feudais, devidamente curvados, prestando homenagens a Tokugawa.

Tão impressionante quanto o castelo Nijo é o Kinkaku-ji, o Pavilhão Dourado. Construído por um dos xoguns Ashikaga, virou templo depois da morte de seu empreendedor, que aos 37 anos abriu mão de seus deveres oficiais para tornar-se sacerdote. Para chegar ao Pavilhão Dourado, trilha-se caminhos tipicamente japoneses, de árvores cuidadosamente aparadas e de troncos retorcidos. No meio do terreno, um lago e o castelo, cujos três andares são inteiramente folheados a ouro.

O Ginkaku-ji, ou Pavilhão de Prata, no outro extremo da cidade, serviu de retiro ao xogum Yoshimasa, neto de Ashikaga. Em homenagem ao avô, Yoshimasa decidiu cobrir o Ginkaku-ji de prata, mas teve de desistir da idéia por causa da guerra civil de
Ônin, a qual acabou deixando Kyoto praticamente em ruínas.


Publicado em dezembro de 2002 -
*Em duas edições de Tablado.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Fugindo do frio da Grande Maçã

de Nova York

O primeiro inverno que você passa em Nova York é lindo. Quando começa a nevar é como chegar à Disney World. No segundo inverno na cidade, você começa a achar que o frio não precisava durar de novembro a março. Só um white Christmas, ou um "dezembro branco", como eles dizem, pra dar aquele clima de Natal, já seria o suficiente. Na sua terceira temporada em Manhattan, as coisas começam a ficar críticas. Você demora pelo menos um mês para admitir que se não usar luvas seus dedos vão cair de frio e quando os termômetros voltam a chegar aos 10ºC você tem certeza absoluta de que pode sair de camiseta e short. De que vai se esparramar na grama do Central Park e tomar aquele bronze. No desespero, ou você se conforma, ou sai da cidade.


E se o negócio for ficar em território norte-americano, não é porque você está em busca de ares mais cálidos que vai radicalizar e acabar em Miami. É claro que a temperatura lá estará muito mais agradável, mas falta de criatividade (e até de bom gosto) tem limite. Por que não go west? Afinal — apesar de os nova-iorquinos ignorarem este fato — há sim o que fazer em outros estados da Nação de Tio Sam. Por isso, nesta e nas próximas edições vamos dar um giro pelo Parque Nacional do Grand Canyon, no Arizona, passando por Las Vegas, no estado de Nevada, chegando à ainda psicodélica São Francisco, na Califórnia.

Chegando ao Arizona de avião, o resto da viagem pode ser feito por terra. O caminho, é claro, você escolhe. Tanto pelas freeways que chegam a dar sono, de tão lisas e retas que são, quanto pelos caminhos mais sinuosos, inclusive passando pela famosa Route 66.

Construída nos anos 20 como parte do programa nacional de desenvolvimento de rodovias do governo norte-americano, a 66 simbolizou o espírito de independência da era do automóvel. A estrada ligava Chicago a Los Angeles, e hoje, só quem passa por lá é curioso ou quer matar as saudades. No Arizona, a paisagem árida enche os olhos, mas em alguns trechos em que a 66 ainda não foi engolida pelas highways, há pouca sinalização e pouquíssimos serviços. Não perca, na próxima edição, a chegada ao Grand Canyon.

Publicado em 10 de março de 2001.




Rei Arthur, pirâmides e muito dinheiro
de Las Vegas

O que seria de Nevada se não fosse Las Vegas? Certamente nada no meio de coisa nenhuma, ou, como dizem os americanos, o boondocks (lê-se búndax). Graças aos cassinos mais famosos do mundo, no entanto, o estado pode se queixar de qualquer coisa, menos de falta de dinheiro. Las Vegas, uma das cidades que mais cresce no país, chega a receber 32 milhões de visitantes por ano.

As duas áreas principais de Vegas são o Strip – ou o Las Vegas Boulevard South - e Downtown, onde a cidade começou a se formar mas que hoje está bastante decadente. Nos trechos sul e central do Strip encontram-se os melhores hotéis, restaurantes e cassinos. Mas, se você espera entrar num hotel luxuosíssimo para ver gente bonita e elegante, lembre-se que o tanto de grana que circula por lá pode ser inversamente proporcional à beleza dos freqüentadores: LV é, certamente, o lugar onde se encontram mais indivíduos sem charme por centímetro quadrado do país.

Poucos, no entanto, vão à cidade para ver gente. O negócio é abrir a mão e passar horas nas mesas de bacará, pôquer, roleta. Jogando dados ou torrando moedinhas nos caça-níqueis. Agora, se você acha que está em seu dia de sorte, não vá se abancando na mesa do primeiro crupiê. É necessário ter o mínimo de conhecimento sobre o jogo e começar pelos que têm apostas mínimas pequenas. Nesses casos, os cassinos de Downtown são os mais indicados.

Apesar da fama dos jogos de mesa, apostas nos caça-níqueis são as mais freqüentes. Há 115 mil máquinas do tipo na cidade e a procura é tanta, que elas rendem mais que as mesas de roleta, blackjack e dados juntas. Entretanto, se você acha que vai fazer fortuna só baixando alavancas, saiba que não existe receita mágica para ganhar nos caça-níqueis. Apenas formas de perder dinheiro mais lentamente. Uma dica é observar as fileiras de máquinas. Cada uma funciona com um timer, marcando o tempo que a máquina leva para soltar dinheiro. Se a fila estiver vazia, é porque você vai precisar pôr mais moedas até ganhar alguma coisa.

Agora, para quem não pretende passar o tempo todo enclausurado num cassino, uma boa idéia é alugar um carro. Você terá maior mobilidade pela cidade e arredores, e não terá dificuldade em arranjar estacionamento. Todos os grandes hotéis têm garagens imensas com manobrista, que além de ficarem satisfeitos com qualquer um dólar de gorjeta, ainda trazem o carro com o ar-condicionado ligado – perfeito para os dias de agosto, quando a temperatura chega facilemente a 41°C.

Aproveitando a mordomia do valet parking, pode ser bem divertido ir de hotel em hotel, apreciando a falta de gosto na decoração “temática”. E aí, prepare-se para encontrar de tudo: de gigantescos lustres medievais, passando por pirâmides, esfinges e um canal com gôndolas e gondoleiros cantores. E o cúmulo da inautenticidade na reprodução de uma cidade pode estar no Hotel New York-New York. Das várias célebres fachadas nova-iorquinas que compõem a frente do hotel, pode-se reconhecer o Empire State, o Chrysler Building e uma Estátua da Liberdade. Mas de onde tiraram prédios cor-de-rosa-choque uma montanha-russa cercando a Big Apple lasveguense é realmente uma incógnita.

Publicado em 13 de abril de 2001.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Entre os cáctus, no lombo da mula

do Grand Canyon, Arizona

Primeiro você imagina que está dentro de um desenho animado ou no meio de um filme de John Wayne. Por todos os lados, só areia, rochedos e cáctus gigantes. Depois, a vegetação rasteira e escassa lembra os caminhos do Planalto Central. Um pouco mais adiante, se esquecer que está no meio do Arizona, você terá a certeza de que vai parar nos Alpes suíços. De jeito nenhum. Em pouco mais de quatro horas de estrada, saindo de Phoenix, no Arizona, você chega a um sítio sagrado constituído por camadas rochosas que começaram a se formar há 2 bilhões de anos: o Grand Canyon.

Se o plano é incluir o canyon na sua programação de férias, não se esqueça que é necessário fazer reservas com bastante antecedência, principalmente se a viagem for programada para os meses entre abril e outubro. Segundo estimativas da administração do Parque Nacional do Grand Canyon, em apenas um dia de verão, cerca de 6,5 mil carros invadem as dependências do parque para ver a paisagem espetacular do canyon.

Mas não é só o panorama constituído por rochas cinza, laranja e verde que pode tirar seu fôlego. Quem estiver disposto a pôr a mochila nas costas e desafiar grandes variações térmicas (lembre-se que o clima do Arizona é desértico), pode seguir uma das trilhas do parque e acampar dentro do canyon. O passeio, no entanto, pode torturar os mochileiros de primeira viagem. As descidas machucam os joelhos e as subidas são verdadeiros testes de resistência cardíaca. Já os escolados preferem as trilhas que levam a pontos como North Kibab, South Kibab ou Bright Angel, que são bem sinalizadas e regularmente patrulhadas.

Outra aventura bastante popular entre os visitantes é o passeio de mula. Tanto que as reservas para dezembro de 2002, por exemplo, começaram a ser vendidas em janeiro de 2000. Nem o preço de US$ 100 por mula ou os 20 quilômetros de viagem no lombo do animal desencorajam os viajantes.

O Canyon é dividido em duas margens. Entre elas, passa o rio Colorado. A margem Sul (ou South Rim), fica aberta o ano todo, pois as temperaturas são um pouco mais amenas que na margem Norte (North Rim). Na primavera, a máxima na margem sul varia entre 15 e 21ºC. No verão a temperatura chega aos 29ºC. É na margem sul que se tem a melhor vista do pôr-do-sol, no Lipan Point, e onde se faz o melhor passeio de bicicleta, pela West Rim Drive. Na margem norte as temperaturas são mais severas e por isso essa parte do parque só pode ser visitada entre maio e outubro. Tente planejar sua viagem para antes de julho e depois de agosto. O inverno, apesar das noites

congelantes, é a melhor época do ano para se visitar o Canyon. Com um pouco de sorte, dá para ver a paisagem, fazer esqui e boneco de neve. E dos grandes.

Publicado em 7 de abril de 2001.

Não só sobre as ondas se vive na Califórnia

de São Francisco

Suba os Estados Unidos de carro, costeando o Pacífico. Passe por Monterey e Half Moon Bay. A 45 quilômetros ao norte dali está a cidade da Baía, dos hippies e do rock psicodélico dos anos 60. Da ponte Golden Gate, dos bondes e das casas em estilo vitoriano por sobre as ladeiras. Visitar São Francisco é ponto pacífico numa viagem à Califórnia. Não é necessário permanecer muitos dias, mas esteja certo de que vai gastar um bocado de sola de sapato e vai precisar de um certo espírito aventureiro, pois não se sabe quando o próximo terremoto vai sacudir a cidade.

Se seu forte não forem as caminhadas, o que não faltam são meios de transporte pouco comuns. Experimente um passeio de bonde (cable car). O trajeto é feito a 15 km/h, mas é muito divertido. Ainda mais se você for pendurado no balaústre. Em SF, os bondes estão em funcionamento desde 1873 e foram criados por um engenheiro inglês que tinha pena dos cavalos que levavam carruagens ladeira acima.

Há também os street cars — um tipo de bonde com jeito de ônibus. São mais simpáticos que os ônibus convencionais e conservam o estilo art déco. É com eles que se pode chegar ao Castro, onde desde o fim dos anos 60 vive a comunidade gay são-franciscana. São bandeiras de arco-íris por todos os lados, mil cafés e restaurantes, além de lojas de “brinquedos” e “equipamentos” interessantes até para os apenas “simpatizantes”.

Na Marina, mais ao norte, tem-se uma das melhores vistas para a ponte Golden Gate. Quando o fog não atrapalha. Só não esteja por perto em dia de terremoto. O bairro, um dos mais elegantes da cidade, foi construído sobre um aterro e com qualquer abalo chacoalha com vontade. Seguindo pela Marina ao leste, encontra-se o Fisherman’s Wharf, antigo porto da cidade, movimentado pelas distribuidoras de peixe e frutos do mar, mas que hoje não passa de um centro turístico cafona e decadente. Talvez a única coisa autêntica que tenha restado seja o cheiro de peixe.

É do Fisherman’s Wharf, entretanto, que sai a barca para Alcatraz. Conhecida como “A Pedra”, a ilha está a pouco mais de dois quilômetros da cidade, no meio da Baía de São Francisco. Alcatraz foi descoberta em 1775 e recebeu esse nome por causa da grande quantidade de pelicanos (em espanhol, alcatraz) que habitavam a ilha. De 1850 a 1933, a pedra foi ocupada por militares e em 1934 o governo transformou o forte na primeira prisão de segurança máxima do país. Para lá só iam prisioneiros “incorrigíveis”, como o gângster Al Capone.

Em 1963 o então ministro da Justiça Bob Kennedy resolveu fechar as portas de Alcatraz e em 1972 a ilha virou área de recreação nacional. Hoje a pedra recebe mais de um milhão de visitantes por ano. Lá, guardas florestais bem treinados e bem-humorados se encarregam de guiar o passeio pelas instalações. No edifício das celas, cada visitante recebe um aparelhinho de áudio, cuja gravação se encarrega de dar o clima dos anos negros do presídio, com histórias mirabolantes contadas pelos próprios detentos.

Publicado em 27 de abril de 2001.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Entre montanhas e carneiros

de Wellington, Nova Zelândia

Duvido muito que esteja em seus planos uma viagem à Nova Zelândia. Então pense bem e trate de reavaliar seus projetos de férias imediatamente, pois até o turista mais blasé se curva diante da beleza das duas ilhas da Oceania, situadas entre o Mar da Tasmânia e o Oceano Pacífico.


Nesse país descoberto por holandeses e colonizado por britânicos, qualquer montanha é pretexto para saltar amarrado num elástico gigante, o bungee jump. Qualquer corredeira merece um rafting. Entretanto, quem vem apenas em busca de paz, nada com um banho de água cristalina do Pacífico ou um passeio de barco por entre os fiordes do Fiordland National Park.

Para essa turma menos aventureira, há uma Nova Zelândia bucólica e encantadora, de incontáveis pastagens e vinhedos, uma geografia curiosa — resultando numa costa belíssima — com direito a um banho de cultura maori, os indígenas que primeiro migraram para o país, há mais de mil anos.

Planejar uma viagem à Nova Zelândia é simples. Na verdade, fora do alto verão, nem é preciso programar um roteiro com tanta antecedência. Os centros turísticos, eficientes e encontrados até nas menores cidades, tornam mais fácil a busca por um quarto vago em praticamente todos os hotéis e pousadas do país.

Uma boa dica para se conhecer bem o país é alugar um carro e percorrer as principais estradas. Nelas, se vê de tudo. De montanhas permanentemente cobertas de neve a rebanhos de ovelhas pastando à beira do asfalto. Entre uma fazenda e outra, inúmeros vinhedos. Os de Wairarapa estão abertos à visitação com direito a pernoite na própria vinícola.

Na costa norte, as praias de Mount Maunganui merecem uma visita, mesmo que a temperatura não convide a um banho de mar. A região que produz 80% dos kiwis da Nova Zelândia, compreende também algumas das dez melhores praias do país.

Agora, se o seu negócio for explorar culturas ancestrais, você não pode deixar de visitar o Museu Te Papa, em Wellington. Parecido com o Museu de História Natural de Nova York, mistura passado e futuro com interatividade e doses de humor. Passeio perfeito para quem viaja com a garotada.

Na costa oeste, uma longa faixa verde compreende o Fiordland National Park. No meio da floresta, uma única estrada, que leva a Milford
Sound. De lá, saem passeios guiados a pé ou de barco, por entre a floresta ou pela água rodeada de montanhas ainda cobertas por floresta nativa.

Publicado originalmente em 22 de maio de 2003.

De dar frio na barriga

de Queenstown, Nova Zelândia

Bungee jump, rafting, mergulho, montanhismo, balonismo, sky diving, caiaque, caminhadas e passeios de bicicleta pelos caminhos mais tortuosos. Não, não estou me referindo a um campeonato de esportes radicais. Mas o que muita gente procura quando vem à Nova Zelândia é justamente aventura, seja nos cânions dos quais se salta amarrado num elástico gigante, ou nos mais de 8 mil quilômetros de trilhas entrecortando a mata nativa.


São muitas opções para a turma que chega aqui a fim de descobrir a pé as maravilhas das ilhas. Para os iniciados em hiking — ou tramping, como chamam os neozelandeses — e que dispõem de pelo menos dez dias, uma boa dica é atravessar os 125 quilômetros de mata nativa do Northwest Circuit, na Stewart Island, ao sul da Ilha do Sul. Já quem não veio só para caminhar, a Tongariro Crossing é conhecida por oferecer o melhor passeio a pé para se fazer em apenas um dia. Por essa trilha é possível cruzar uma das mais fantásticas paisagens vulcânicas do país. E apesar da atmosfera selvagem dos trampings, aqui os caminhos têm alojamentos bem equipados e toda a infra-estrutura para camping.

Agora, se você tem coração forte e curte uma adrenalina em doses cavalares, não pode deixar de pular das alturas amarrado pelos pés num elástico gigante, o bungee jump. Afinal de contas, foi na Nova Zelândia, mais precisamente em Queenstown, na Ilha do Sul, que surgiu e funciona até hoje o primeiro bungee comercial do mundo, na ponte suspensa sobre o rio Kawarau a 43 metros da água. O maior bungee do país também fica naquela região, mas nesse outro queda é bem mais radical: 134 metros.

Os chegados em atividades aquáticas também vão se dar bem por aqui. Jacques Cousteau classificou a ilha de Poor Knights, ao norte da Ilha do Norte como um dos melhores lugares do mundo para mergulhar. Os passeios de barco e de caiaque também são muito procurados, especialmente na Ilha do Norte, onde as águas do Oceano Pacífico são tão claras que se tem a impressão de que as embarcações não flutuam sobre a água, mas pairam no ar.

Publicado em 19 de junho de 2003.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Descobrindo a metade do mundo

de Quito, Equador

Quando anunciei que deixaria Tóquio rumo ao Equador, Ricardo Miranda, editor de Tablado, lançou-me a seguinte pergunta: “e o que você vai escrever quando estiver na metade do mundo?” Não hesitei em responder que isso não seria problema, embora de segundos depois, até botar os pés na mais antiga capital da América do Sul, senti uma sensação imensa de não ter a menor idéia sobre quais seriam meus assuntos. Índios? Amazônia? Incerteza política? As perspectivas não eram das mais animadoras.


Aqui chegando, no entanto, fui atingida por uma avalanche de novidades e hoje, a dúvida não é sobre “o que escrever”. Mas o que escrever primeiro. O Equador é muito, mas muito mais do que índio e Amazônia. O que, infelizmente pouca gente se aventura a descobrir.

São 12 horas de dia, 12 de escuridão. Todos os dias. Na metade do mundo, o sol nunca muda de posição. Talvez por isso, em Quito tem-se a sensação de que o tempo passa muito mais rápido. De que a luz do sol é muito mais forte. De que as pessoas têm um ritmo muito diferente. Não pelo calor amazônico que aqui não chega graças à altitude de mais de 2.800 metros sobre o nível do mar. Mas por uma certa indolência característica deste lado de cá do mundo. E, ao contrário do que imaginávamos Ricardo e eu, Quito tem muito mais a ser descoberto.

E para quem decide encarar a serra equatoriana, a mais nova atração na cidade é um teleférico, inaugurado em maio de 2005 e que tem atraído milhares de visitantes todos os dias, a maioria nativos, que dificilmente tiveram outra chance de ver a cidade de tão alto. Sobe-se de carro até 2.950 metros, onde há uma estação muito bem organizada, com catracas de cartões magnéticos e mocinhas treinadas para organizar filas que eventualmente serão quilométricas. De lá se pega o bondinho para subir, preferencialmente de costas para o morro, numa preview do que se vai ver lá em cima. O ponto final é a 4 mil metros, mas quem tiver fôlego para caminhar no ar rarefeito pode subir a pé mais algumas centenas de metros. O ar é escasso mesmo, a cabeça pode doer, as carótidas latejam. Mas o esforço vale a pena. Lá do alto se vê o vale e um pedaço do centro histórico tombado pela UNESCO em 78. É uma vista deslumbrante, capaz de emocionar até o quitenho mais indiferente.

Publicado em 19 de agosto de 2005.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Os mistérios da Velha Montanha

de Machu Picchu, Peru

Dizem que há um túnel que liga São Tomé das Letras (MG) a Machu Picchu, no Peru. Mas mesmo depois de muito chá de coca – não para dar barato, mas para ter fôlego suficiente para encarar a altitude e percorrer a cidadela inteira – será difícil constatar que o dito não passa de lenda. Garantido mesmo é encontrar uma das obras arquitetônicas mais fantásticas já construídas sobre a face da Terra e que no século 16 foi abandonada pelos seus fundadores, os incas, não se sabe bem como nem por quê.


Sem conhecer a roda, os incas construíram a “Montanha Velha” (Machu Picchu, na língua indígena quechua), pedra sobre pedra, em plena selva tropical, a 80 quilômetros de Cuzco, então capital do Império Incaico. Bons administradores, preocupavam-se excessivamente com a comunicação e a segurança dos seus povoados. Por isso, Machu Picchu está situada entre montanhas, sendo as principais Machu e Huayna: a velha e a nova, sendo que os pontos mais altos eram estratégicos para a vigilância local.

As casas e templos de Machu Picchu, construídos em torno de uma praça central, são a maior representação da arquitetura inca. As portas em forma de trapézio e as paredes de granito trabalhado, para que se encaixassem perfeitamente umas nas outras, eram cobertas de palha, garantindo espaços com um clima sempre agradável. Entre as construções, degraus gigantes que além de servirem para a produção agrícola, evitavam a erosão.

Mas um dia, a fortaleza tão estrategicamente planejada ficou deserta. Por desconhecer a escrita, os incas pouco ou quase nada deixaram registrado sobre o fim da era indígena na Velha Montanha. Para o explorador norte-americano Hiram Bingham, que descobriu as ruínas de Machu Picchu em 1911, a “Montanha Velha” pode ter sido o último refúgio inca antes da invasão espanhola a Cuzco. Entretanto, uma das teorias responsabiliza a localização da cidadela. Por causa do difícil o acesso ao vale, os incas se viram ilhados e precisaram fugir, antes de serem encurralados pelos europeus.

Publicado em 10 de dezembro de 2005.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Memórias que a barbárie não apagou

de Siem Reap, Camboja

Quando os franceses chegaram ao Camboja, em 1863, mato foi só o que encontraram. Por baixo dos cipós, os restos do centro do reino Khmer de Angkor, império que dominou por 600 anos – do século 9 ao 15 – a área que hoje compreende Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia. Dezenas de quebra-cabeças que ao serem montados tomariam a forma de Angkor Wat, Angkor Thum, Banteay Srey e tantas outras obras-primas da arquitetura Khmer.

A sensação de chegar a Siem Reap é quase indescritível. A grandiosidade das construções de pedra, que remetem a um passado longínquo de luxo e prosperidade, contrasta com a pobreza do que restou da população cambojana, dizimada pela barbárie do Khmer Rouge comunista de Pol Pot na década de 70.

Construído na primeira metade do século 12 pelo rei Suryavarman II, o Angkor Wat levou 30 anos para ser finalizado e foi uma das primeiras descobertas dos colonizadores franceses no século 19. É o maior templo do império Khmer e um dos que menos sofreu a ação do tempo. Para subir no alto das torres, é necessário escalar escadarias íngremes, de degraus estreitos. A explicação para tanto sacrifício é religiosa: os degraus forçam os fiéis a subir com o corpo curvado, como numa reverência, e a descer sem virar o rosto para Buda. No alto de Angkor Wat se avista a planície e, ao cair da tarde, centenas de turistas se misturam aos monges para assistir ao pôr do sol.

Não muito longe dali está o templo Bayon e suas 54 torres decoradas com 216 rostos de Buda. Erguido um século depois de Angkor Wat, a construção passou por várias mudanças. Pelas paredes, desenhos esculpidos na pedra contam a história da civilização cambojana: do dia-a-dia do cidadão comum às batalhas contra Chineses e Vietnamitas.

Um pouco mais afastado de Angkor Wat está outra maravilha da arquitetura Khmer – o Banteay Srey, o Templo Rosa. Em excelente estado de conservação, é uma construção baixa, toda em arenito cor-de-rosa. Como as escadarias, os portais foram construídos muito mais baixos que a estatura média da população, para que quem ali entrasse tivesse que abaixar a cabeça, sempre em respeito à divindade maior: Buda.

Publicado em 3 de março de 2004.