terça-feira, 22 de maio de 2007

Macau de misturas

de Macau, China

Ao final de uma pequena jornada por entre templos e prédios coloniais europeus, entramos num restaurante decididos a comer bacalhau. Numa das mesas, seu Afonso, o dono, fuma um cigarro:


– O que mudou quando Macau voltou para a mão dos Chineses?, perguntamos a ele, em meio a garfadas do peixe servido à moda Brás.
– Pois voltou? Mas esta terra nunca deixou de ser dos chineses! Responde o português, achando graça.

Contam historiadores que Macau foi ocupada por lusitanos em 1557, quando Chang Tse-Lac, pirata conhecido na região, foi derrotado em mares chineses com a ajuda dos portugueses. Com isso, foi concedido aos europeus o direto às terras macaenses, criando o primeiro entreposto comercial (depois cultural e religioso) entre o ocidente e o oriente.

Mais de 400 anos depois, já de volta às mãos orientais, mas como Região Aministrativa Especial da China, praticamente só o que sobrou de Portugal por aqui foi o idioma. Até nas fachadas mais modestas, os letreiros são bilíngües. Mas não as pessoas. Bem lembrado, seu Afonso. Essa terra realmente nunca foi portuguesa.

Os macaenses antigos, de boa vontade, chegam a arriscar que a cidade parece Hong Kong de décadas atrás. Diria eu que mais lembra o decadente da HK de hoje. Em Macau, a arquitetura colonial recém restaurada se mistura a prédios mal conservados nos quais amontoa-se uma população local que, depois de muito tempo, vê uma luz no fim do túnel da economia local. A instalação de cassinos, alguns deles de grandes cadeias norte-americanas geram mais do que emprego: atiçam a ambição dos habitantes do continente, já que o jogo é proibido em território chinês.

Mas não é só o tilintar dos caça-níqueis que tem atraído turistas à península e às ilhas ao redor. O legado de séculos de pura mistura de raças, culturas e tradições está por toda parte. A Igreja de São Paulo, por exemplo, foi desenhada em 1602 por um jesuíta italiano. Com a ajuda de cristãos japoneses (que fugiram de Nagasaki em 1597, quando 26 católicos foram martirizados) a igreja foi construída no topo de um morro no centro da cidade. Em 1835, durante um tufão, a igreja pegou fogo e o prédio nunca mais foi reconstruído. Até hoje resta apenas a fachada de símbolos misturados – a Virgem Maria ao lado de uma peônia (símbolo chinês) e o crisântemo, representando o Japão.

Do outro lado da rua, o Museu de Macau traça, com muita competência, um paralelo das civilizações chinesas e européias, resumindo história, tradições e costumes locais. Mais adiante, descendo a ladeira, uma calçada de pedra portuguesa – lembrando a praia de Copacabana – corta o Largo do Senado. A área é a assim chamada por causa do Leal Senado (atual conselho municipal), um dos prédios de fachada neoclássica, construídos ali no século 19. No passado, sempre que um governador português assumia o cargo, era ali que ele passava a tropa em revista. Mas sem direito a provar do bacalhau do seu Afonso.
Publicado em 31 de julho de 2004.

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